Desde a década de 90, tudo que os indígenas do Xingu solicitavam era falar com o presidente da República sobre Belo Monte. Uma das tentativas de suas entidades foi promover o II Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, na cidade de Altamira/PA, em maio de 2008. A população local se preparou para receber os indígenas. No ginásio que sediou o evento milhares de pessoas lotavam as arquibancadas. Os indígenas entoavam cantos e gritos de guerra como se desejassem que sua voz ecoasse Xingu a fora.
Altamira possui o movimento social mais atuante da Amazônia. Os colonos que chegaram com a abertura da Transamazônica, e conseguiram sobreviver à propaganda enganosa da ditadura militar, se juntaram aos povos tradicionais, indígenas e ribeirinhos, somando forças contra principalmente fazendeiros e madeireiros, normalmente financiados pela Sudam e pelo Banco da Amazônia. Esse confronto fez a região produzir vários líderes importantes como Ademir Federicci (o Dema), Bartolomeu Silva (o Brasília), e Irmã Dorothy. Todos foram mortos no embate contra um modelo insustentável de desenvolvimento. Conheci todos eles.
Os principais personagens que apoiavam a luta dos indígenas estavam presentes no Encontro. O bispo do Xingu, D. Erwin Krautler, vencedor do “Nobel Alternativo” de 2010, fez um discurso emocionante, profetizando o que chamou de genocídio. Antônia Melo, do Movimento Xingu Vivo para Sempre, chamou a atenção para os efeitos negativos sobre a biodiversidade e a população de Altamira quando o rio se tornar um lago. Oswaldo Sevá, da Unicamp, demonstrou catedraticamente a inviabilidade econômica da usina. Provou que a geração de energia será mínima diante do elevadíssimo custo.
O representante do governo no encontro não era o presidente da Eletrobras, nem o Ministro das Minas e Energia, nem tampouco o presidente da República, tão esperado. Enviaram um servidor da Eletrobras, engenheiro Paulo Fernando Rezende. Falou por cerca de 40 minutos. Foi interrompido várias vezes por vaias das arquibancadas. Após uma das interrupções, diz que a barragem vai sair, queiram ou não, e que morava no Rio de Janeiro, onde não ficaria sem eletricidade.
Os indígenas apenas o ouvem, pacientemente, sentados no salão do ginásio, sem esboçar qualquer reação. Depois do discurso oficial, os Kaiapó levantam e iniciam a dança da guerra, brandindo flechas, lanças e facões. Eram mais de 600 índios e a manifestação foi contundente. Na confusão, o engenheiro teve um corte no braço. As imagens do sangue do “branco” correram o mundo.
Após o episódio, estive com os índios, ainda muito tensos, em seu acampamento. Eles se sentiram desrespeitados. Deram-se conta de que a decisão por Belo Monte já estava tomada e que não seriam ouvidos, como manda a Constituição do Brasil.
Achavam que iriam discutir o empreendimento, já que esperavam por tanto tempo uma conversa com um representante do governo. Ouviram que a barragem seria construída, e se sentiram enganados. Um kaiapó benajoro (líder grande) me disse algo para não esquecer: essa barragem mata o rio, matando o rio, mata a gente também. Então, vamos morrer lutando.
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