Belo monte de violências (II)

A primeira ação judicial apontando os erros da UHE de Belo Monte durou quatro anos (2001-05), como se viu no artigo anterior. Foi o tempo que o governo federal levou para se conscientizar, após perder em todas as instâncias, de que o projeto não poderia ser executado como previsto: sem o licenciamento ambiental do Ibama e; sem a autorização do Congresso Nacional, já que afetaria terras indígenas.

Em 2005, já sob o controle petista, o governo federal surpreende a todos com a retomada do projeto. Pediu o licenciamento junto ao Ibama, e o Deputado Federal Fernando Ferro, do PT de Pernambuco, apresenta no Congresso uma proposta decreto legislativo que autorizava Belo Monte.

Foi um grande susto. Ninguém poderia imaginar que, sob o controle do PT, o projeto poderia ser retomado sem discussão com a sociedade. Em uma reunião com sindicatos de trabalhadores, associações, lideranças indígenas e religiosas, movimento de mulheres, e o MPF, em Altamira, dei a informação do que estava ocorrendo. Notei forte sentimento de indignação. Mais do que isso. Os líderes da sociedade civil mais bem organizada da Amazônia – região da Transamazônica e Xingu – sentiram-se traídos.

Em verdade, a troca no governo federal não promoveu nenhuma mudança significativa no setor de energia. Os principais técnicos da área que a comandavam no governo do Presidente Fernando Henrique eram os mesmo do governo do Presidente Lula.

Nesse mesmo ano de 2005, especialistas do Brasil e de fora lançam um livro que pesa mais de um quilo sobre os erros de Belo Monte. O livro foi intitulado Tenotã-Mo – Alertas sobre as Consequências de Barramento do Rio Xingu, organizado por Oswaldo Sevá Filho, da UNICAMP, e editado por Glenn Switkes, da International Rivers Network, de saudosa memória. Tenotã-mo é uma palavra kaiapó que significa aquele que segue na frente.

O livro prova que a capacidade de geração de energia de Belo Monte chegará no máximo a um terço do que propaga o governo. Seu custo é altíssimo, diante da produção irrisória de energia. Alguns meses do ano, Belo Monte ficará parada em virtude da vazão do Xingu no período de seca.

Quando o livro foi lançado em Altamira, eu mesmo entreguei um exemplar à representante da ELETRONORTE. Disse que o governo tinha obrigação de mostrar que tudo aquilo estava errado, que os professores que assinavam os artigos estavam fora de suas faculdades mentais. Ela me disse que eu teria uma resposta logo. Passaram-se cinco anos e a ELETRONORTE jamais mandou uma resposta, nem rebateu os cálculos em qualquer revista científica.

A proposta de decreto legislativo que autorizaria Belo Monte deveria ouvir as comunidades afetadas (art. 231,§ 3º), como se viu no capítulo anterior. Seria a grande oportunidade de debate nacional sobre Belo Monte. Indígenas e cientistas seriam ouvidos.

Nada disso aconteceu. Ao contrário, a proposta é aprovada na Câmara e no Senado em tempo recorde: menos de 15 dias úteis. Um dos senadores o chama de projeto bala.
O projeto bala ocultava com a pressa sua inconstitucionalidade por não ouvir as comunidades afetadas.

Assim, uma segunda ação contra Belo Monte é proposta pelos Procuradores da República no início de 2006. Tentava mostrar que o Decreto Legislativo n° 788/2005 era inconstitucional por não ouvir as comunidades indígenas afetadas. Conseguimos liminar para sustar o processo que, um mês depois, em maio de 2006, foi derrubada.

Essa ação teve idas e vindas, paralisando o empreendimento até 2007, quando decisão da então presidente do STF (Ministra Ellen Gracie) suspendeu o entendimento do Tribunal Regional Federal de Brasília (TRF1) e liberou novamente o projeto.

Aguarda-se decisão que, se der razão ao MPF, paralisa todo o processo de Belo Monte e determina que o Congresso Nacional promova audiências públicas para ouvir os indígenas e discutir o projeto. Ainda se espera pelo momento do grande debate nacional.

A pergunta no ar é: o que está sendo escondido do povo brasileiro? Por que não houve a audiência com os indígenas? O Decreto que autorizou Belo Monte remeteu essa tarefa para o órgão ambiental, que também nunca o fez.

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