A Licença Prévia (LP) de Belo Monte foi concedida pelo Ibama com 40 condicionantes ambientais e 26 indígenas em fevereiro de 2010. A LP não permite o início da obra. Trata-se apenas de uma licença preliminar de planejamento. Por ela o órgão licenciador diz que estão aprovadas localização e concepção do empreendimento. Para que a obra propriamente dita possa ser iniciada é necessária a obtenção de uma outra licença – a Licença de Instalação (LI).
Por aí se nota que falar no início de obras de Belo Monte é desconhecer a sistemática do licenciamento ambiental no Brasil. Para que o consórcio Norte Energia, formado às pressas na véspera do leilão da usina, possa iniciar as obras, ele precisa cumprir as condicionantes. Muitas dessas condicionantes são, na verdade, pendências que não foram resolvidas na LP. A pressão do governo para que a LP fosse liberada foi tão grande que as pendências se transforam em condicionantes.
E agora não há mais como empurrar com a barriga.
Entre as 40 condicionantes ambientais cita-se, a título de exemplo, a de n° 09. Ela determina: (i) início da construção e reforma de equipamentos de educação/saúde em Altamira e Vitória do Xingu; (ii) início das obras de saneamento básico nesses municípios e; (iii) implantação saneamento básico em Belo Monte antes da construção dos alojamentos. O MPF teve acesso a documentos dessas prefeituras que mostram que nada foi feito até 2010.
Outra condicionante, desta feita a indígena de n° 5, exige, entre outras medidas (i) a demarcação física das Terras Indígenas Arara da Volta Grande e (ii) Cachoeira Seca; (iii) o levantamento fundiário e inicio da desintrusão (retirada de não-índios) da TI Apyterewa. Nada disso se faz do dia pra noite. O MPF mesmo tem tentado há décadas. E tudo é extremamente necessário.
Com efeito, o próprio Estudo de Impacto Ambiental feito pela Eletrobras e empreiteiras prevê que a migração de trabalhadores em busca de emprego na obra será de 100 mil. Considerando que a população atual de Altamira é de 94 mil, e que o máximo de postos de trabalho gerados pela obra será de cerca de 19 mil – e isso apenas no terceiro ano, pois nos demais anos esse número é menor – fácil concluir que, além da explosão demográfica, Altamira terá, no mínimo, 80 mil pessoas desempregadas.
Essa é uma pequena amostra do caos social que se estabelecerá com a liberação da Licença de Instalação sem o cumprimento das condicionantes em termos de educação, saúde, segurança pública e, sobretudo, organização fundiária – que fez a fama internacional de Altamira.
Tudo isso acontece justo agora que a região vem investindo em seu verdadeiro desenvolvimento econômico; justo agora que os projetos de reflorestamento começam a dar resultado; justo agora que ela se tornou a maior produtora de cacau do Brasil; justo agora em que uma fábrica de chocolate e pequenas usinas de beneficiamento de frutas e óleos vegetais se instalaram.
A Norte Energia tentou uma manobra para driblar o cumprimento das condicionantes. Pediu uma licença de instalação parcial para o canteiro da obra. Isso não existe na legislação brasileira. O canteiro já é a obra. Ou alguém acha que com o canteiro apenas não haverá migração?
Em outubro de 2010, a equipe técnica do IBAMA disse não a essa manobra exatamente pelo descumprimento das condicionantes.
E não se pode alegar que haverá compensação aos municípios afetados com a liberação de mais recursos públicos. Seriam esses recursos suficientes para a construção e manutenção de hospitais, escolas e órgãos do sistema de justiça e segurança numa região que dobrará sua população em questão de ano? Esses recursos dobram o orçamento anual de Altamira também? É claro que não.
O que está se desenhando não é diferente do déja vu. Ficamos com o caos social e os danos ambientais. As multinacionais de eletrointensivos ficam com a energia, ainda que pífia, diante da megaobra.
Concordo que o país não pode simplesmente parar por causa de questões indígenas e ambientais. Mas a situação é um pouco mais complexa do que possa parecer a princípio.
ResponderExcluirImagine o fluxo de produção que está se deslocando para as regiões das obras do PAC. Imagine uma comunidade indígena exposta à ganancia de empresários que só pensam em lucro rápido. Dentre outros, a conv. 169 da OIT determina que:
"Dever-se-á dar especial atenção à criação de serviços adequados de inspeção do trabalho nas regiões donde trabalhadores pertencentes aos povos interessados exerçam atividades assalariadas, a fim de garantir o cumprimento das disposições desta parte da presente Convenção."
Detalhe: a fiscalização do trabalho não está dando conta de fiscalizar os operários das contruções (que são protegidos por sindicatos), imagine fiscalizar o trabalho que surge no entorno das obras.
Não há fiscais suficientes na região onde estão sendo tocadas as obras do PAC. É óbvio que com obras desta magnitude muitos indígenas passarão a ter trabalho assalariado. Senão nas obras, em todo o influxo produtivo que seguirá.
Uma vez que a Fiscalização do Trabalho não dispoõe de fiscais suficientes, não tenham dúvida, os povos indíginas passarão por um novo processo de escravidão.
Os dados são contundentes e as perguntas estão lançadas: a usina é mesmo viável? Qual é o verdadeiro preço da obra? Quanto vai custar a energia produzida por ela?
ResponderExcluirParabéns, em parte.
O problema é tão profundo porque muita gente tem razão. Não questiono a sua. Só a sua incapacidade de reconhecer a alheia.
Belo Monte é sim necessária para um país que se pretende grande. Um país que anda mais rápido do que cresce. Apagões se repetem. Isso não é só um transtorno, é o começo de um caos. Quem esteve em São Paulo no fatídico apagão sentiu isso.
Há alternativas? Várias! Energia solar e eólica são miríades, ainda. Comparar com os EEUU soa feito piada. Eles têm uma das matrizes mais sujas do mundo, se não a mais. As outras: troca de turbinas e afins não excludem Belo Monte. Há margem para toda essa mudança.
Só não há margem para a alternativa aplicada até aqui: energia termoelétrica. Queimar gás/carvão é o cúmulo do ridículo. E é isso que vem sendo feito.
A questão indígena é grave. Grave especialmente porque envolve um pré-conceito de vitimização. Eu me questiono se uma nova demarcação de terra seria suficiente para apaziguar os ânimos. Acho que não, porque essa questão envolve mais do que paixão ambiental ou hereditária.
Isso envolve dinheiro. Muito dinheiro. Índio não é bobo. Branco não é bobo. Sobra o brasileiro. Esse é o verdadeiro bobo dessa história.