Belo monte de violências (I)

No ano 2000 houve um encontro de procuradores da República com os indígenas do Xingu. Representantes do povo Juruna, da Volta Grande do Xingu, disseram que encontraram nas margens do rio várias tábuas com números gravados. Eram réguas de medição. Estavam assustados. Temiam que fosse mais uma tentativa de construir uma barragem no Xingu. A lembrança do I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu em 1989, quando a índia Kaiapó Tuíra passou o facão no rosto de um dirigente da ELETRONORTE, ainda estava nítida.

Imediatamente começamos a investigação. Os estudos já estavam em grau avançado. Mandamos a mensagem aos índios de que a régua significava exatamente o que eles temiam: a retomada pelo governo do projeto de construir uma barragem no rio Xingu.

Eles responderam com a uma carta encarada como profecia. Dizia nós, índios Juruna, da Comunidade Paquiçamba, nos sentimos preocupados com a construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Porque vamos ficar sem recursos de transporte, pois onde vivemos vamos ser prejudicados porque a água do Rio vai diminuir como a caça, vai aumentar a praga de carapanã com a baixa do rio, aumentando o número de malária, também a floresta vai sentir muito com o problema da seca e a mudança dos cursos dos rios e igarapés ... Nossos parentes Kaiapó, Xypaia, Tembé, Maitapu, Arapium,Tupinambá, Cara-Preta, Xicrin, Assurini, Munduruku, Suruí, Guarani, Amanayé, Atikum, Kuruaya ... vão apoiar a Comunidade ...

Tudo estava sendo feito contra a Constituição, a começar pela falta de consulta dos indígenas pelo Congresso Nacional antes de tudo se iniciar. É o que determina o artigo 231, §3º, da Constituição: O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos... em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas...

Seria momento do grande debate. Deputados e senadores ouviriam indígenas, outras comunidades afetadas e especialistas para sopesar os impactos positivos e negativos, a polêmica sobre a energia a ser gerada e, assim, autorizá-la ou não. Mas o governo ignorou tudo.

Havia problema também quanto ao local do licenciamento, a hoje Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA. O rio Xingu é um rio federal. Ele nasce no leste do Estado do Mato Grosso. Após percorrer aproximadamente 2.100 quilômetros, deságua no rio Amazonas, no Pará. Em se tratando de um rio federal, e ainda por banhar terra indígena, seu licenciamento somente pode ser realizado pelo IBAMA, nunca por um órgão estadual, como estava sendo feito.

Mas não era tudo. Com a ajuda de técnicos, como antropólogos e biólogos do MPF, descobriu-se também que havia incompatibilidade entre os cronogramas da ELETRONORTE e do Estudo de Impacto Ambiental e seu relatório (EIA/RIMA). O término de uma das viagens de pesquisa estava previsto para novembro de 2001, mas o EIA/RIMA estaria pronto 8 meses antes, em março de 2001. Como pode o Estudo de Impacto Ambiental estar pronto antes do estudo de campo ser concluído? Para que tanta pressa no licenciamento de uma das obras mais caras do Brasil?

E mais. A ELETRONORTE contratou a FADESP – Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa, para a elaboração do EIA/RIMA, sem licitação, ao preço de R$ 3.835.532,00. O resultado jamais foi mostrado ao público.

O Termo de Referência do empreendimento, que determina o conteúdo do EIA/RIMA, não contou com a participação do IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, apesar da área de incidência direta da obra abrigar sítios arqueológicos.
Diante de tantas ilegalidades, não restou outra alternativa senão entrar com uma ação civil pública ambiental no início de 2001. A Justiça Federal determinou a paralisação de tudo. Em sua decisão, o Juiz Federal Rubens Rollo D´Oliveira declara que o desvio projetado na Volta Grande do Xingu atinge em cheio a área indígena JURUNA (Paquiçamba), e dizem os estudos da ELETRONORTE, parte da cidade de Altamira/PA, com reflexos ambientais e sociais de monta, a exigir a mais perfeita elaboração do estudo de impacto ambiental e social.

O governo federal recorre ao Tribunal Regional Federal em Brasília, e perde. Recorre ao Supremo Tribunal Federal, e perde novamente. Na decisão, o Ministro Marco Aurélio sentencia que o licenciamento de Belo Monte, da forma que estava sendo realizado, contraria a Constituição. É necessário autorização do Congresso Nacional e que sejam ouvidas por ele as comunidades indígenas. A primeira batalha estava vencida, mas a pergunta ficou no ar: o que estão escondendo em Belo Monte que não pode ser revelado para a sociedade brasileira?

7 comentários:

  1. Feliz 2011 e que um dia poderemos tirar a palavra violencia de Belo Monte
    Passei aqui lendo. Vim lhe desejar um Tempo Agradável, Harmonioso e com Sabedoria. Nenhuma pessoa indicou-me ou chamou-me aqui. Gostei do que vi e li. Por isso, estou lhe convidando a visitar o meu blog. Muito Simplório por sinal. Mas, dinâmico e autêntico. E se possivel, seguirmos juntos por eles. Estarei lá, muito grato esperando por você. Se tiveres tuiter, e desejar, é só deixar que agente segue.
    Um abraço e fique com DEUS.

    http://josemariacostaescreveu.blogspot.com

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  2. Parafraseando Luther King "Tô nem ai com o grito dos maus....muito me preocupa o silêncio dos inocentes" Já que a Dilma está reimplantando a ditadura está na hora de ressucitar os cara pintadas.....Gorverno de merda.....

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  3. Prezado Felício Pontes Jr., informar a verdade a toda a nação também faz parte do exercício funcional de um membro do Ministério Público. Na minha opinião, é o que este blog está fazendo. Parabéns pelo Blog e a luta continua!

    Delmir de Andrade, Natal/RN.

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  4. O que seria desse país se não houvesse o Ministério Público, talvez a única institução séria que temos, para freiar as insanidades praticadas pela Administração Pública que age sempre motivada por interesses econômicos próprios violando inadvertidamente o princípio constitucional da supremacia do interesse público.

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  5. Estimado Felício Pontes Jr, parabenizo pela iniciativa conscientizadora e ética de explicitar com transparência e informação o processo malogrado de desenvolvimento que pode vir a existir com a efetividade da Hidrelétrica de Belo Monte! Fico feliz em ver que o Ministério Público através de cidadãos como Você prevalece-se do seu papel de construir equidade na sociedade.
    obs.:Teria algum email que pudesse enviar-lhe um convite para ministrar uma palestra sobre a temática na escola que trabalho? Fico no aguardo.
    Att., Profa. Maísa Lopes

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  6. Conheca nosso Instituto de Proteção Biocultural no Xingu

    O Projeto SaveXingu abrange um conjunto de ações e parcerias que visam à proteção, sustentabilidade e valorização das comunidades que vivem na Reserva do Xingu.

    Curta a pagina e divulgue para apoiar nossa causa!

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  7. Maísa: por favor entre em contato pelo e-mail felicio@prpa.mpf.gov.br

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